quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Derradeiro Suspiro


Enterro dos ossos me lembra o índio velho que encontrei numa longínqua quarta-feira de cinzas à beira da Lagoa dos Patos.
Entre as pitadas de um palheiro amassado, contemplando o temporal que se anunciava no horizonte ele me brindou com esse texto.
Não garanto que minha memória não tenha falhado em alguns pequenos detalhes, mas a essência com certeza segue fiel ao original. 
Disse ele ...

Derradeiro Suspiro

Filho, há de chegar para todos
O inexorável dia da partida.
Dia de deixar pra trás esta Terra,
Breve estação onde passa o trem do tempo. 

E como passa...
Incólume segue a intrépida locomotiva das horas.
Rápida nas alegrias,
Cautelosa nas agruras sinuosas dessa estrada infinita.

E que estrada...
Com tantos caminhos, tantos atalhos, tantos desvios,
Retas, curvas, paisagens, cores, aromas, gostos... vidas!

Na cabine do Maquinista Mor
Escorre a fina areia da ampulheta celestial,
Sem quem consiga detê-la.

Ah se eu pudesse...
Mesmo que por um mísero instante,
Guardar no bolso da vida
Uma ínfima parte do tempo que deixei ao léu...

Ainda que fosse para sorvê-lo novamente
Da mesma e exata forma,
Segundo a segundo, minuto a minuto,
Com tragadas profundas, bem saboreadas,
Como quem aspira o cheiro da grama molhada da chuva,
E o perfume das flores recém abertas da primavera.

Mas nem Hércules seria capaz
De dobrar os trilhos da ferrovia dos anos
Onde passam os vagões que, mesmo sem parar,
Seguem desembarcando almas e recolhendo vidas
De estação em estação, nessa viagem sem fim.

As rodas deslizando suaves sobre os carris paralelos
Devorando avidamente os dormentes de ferro,
Testemunhas silenciosas de pequenos fragmentos
De um passado que não volta.

E quando tiver que descer no meu ponto,
Que vou dizer ao guardião dos portões?
O que terei eu para falar?
Terei eu mãos para tremer?

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