quinta-feira, 7 de março de 2013

Sina de Chorão


Hoje, com a morte do Chorão nas manchetes, escutando o que ele nos deixou, revivo um sentimento que volta e meia me visita. 
É aquela sensação de olhar para o que deixamos de valorizar no cotidiano, imaginando que por serem coisas boas elas são eternas, imortais, infinitas... 
Talvez realmente sejam em alguma dimensão, de alguma forma. 
Mas o caso é que nos acostumamos com uma série de sensações confortáveis.
Como música, elas nos abraçam, nos cercam, nos envolvem e nos tornam quase dependentes.
Mas de repente desaparecem em definitivo e deixam um peso na alma que só aos poucos vai virando saudades.
Nunca fui em um show do Charlie Brown Jr. Poderia ir a qualquer hora, sempre tinha, sempre teria.
Afinal, tenho toda a tarde, tenho a vida inteira, já se foi aquele tempo da ladeira irmão.
Quantas outras coisas eu nunca farei só porque não fiz hoje?
Releio as letras, ouço novamente as músicas.
Só os loucos sabem como musicar versos assim, com um quê de revolta, rebeldia, ou pimenta mesmo.
Em algumas, versos de luta. Outras, como se fossem um mantra pessoal usado pra repelir más tendências.
Com quantos demônios uma pessoa assim combate?
É preciso um pouco de insanidade pra imaginar o que se passou com ele nos últimos dias.
Tanta música, tanto sucesso, tantos fãs, tanta poesia e...
Tanta depressão, tanta tristeza e tanta solidão em um apartamento vazio de dez cômodos.
Como se atravessa uma madrugada com tantas assombrações assim?
Com tudo isso muitas lembranças se agitam no meu tumultuado Eu.
Lembro, por exemplo, de como era simples acordar aos domingos quando criança.
Era ligar a TV e ver o Senna levantando a bandeira no alto do pódio.
Tomar um café sem preocupação e saber que o pai ia fazer um exagero de churrasco, como em todos os domingos.
Pular com os cachorros e tentar em vão fugir das lambidas eufóricas, fruto da felicidade canina após um afago.
De brincar com a mangueira no pátio vendo formar os pequenos arco-íris enfeitando o domingo de sol enquanto fingia que lavava alguma coisa.
Escrever um nome numa folha e jogar o papel no fogo da churrasqueira, escondido.
O radinho de pilha comentando o futebol de logo mais entre uma vinheta e outra.
Almoçar com os irmãos em uma mesa farta de comida e conforto.
Escutar o canto estridente de uma cigarra invisível saudando o astro rei.
O canto da cigarra...
Ter toda a tarde, ter a vida inteira pela frente.
Era simples, cotidiano, corriqueiro, natural, quase enfadonho.
E eu era livre pra poder sorrir e pra poder buscar o meu lugar ao sol.
Hoje só às vezes faço o que quero. Na grande maioria eu faço o que tenho que fazer.
E a vida segue, forjando-nos, desafiadora, mudando-nos a cada rotineira volta desta Terra.
Quem conhece dessa estrada já podia imaginar que uma personalidade assim não envelhece.
Não que não possa, mas é que não é todo cavalo selvagem que se doma.
Alguns acabam partindo antes de serem dobrados pelo tempo.
Tempo esse que não perdoa nada.
Hoje não tem mais Senna, não tem mais cigarra, não tem mais Charlie Brown.


postado originalmente em www.facebook.com/EdSegan .

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